segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Um passeio à Praia de Faro


É tempo de praia e o calor convida a um banho refrescante nas salsas águas da Ria Formosa.
Apanhei o barco da carreira para a ilha de Faro. Além de se evitar o problema do estacionamento, desfruta-se de um passeio agradável por um preço que não se pode considerar exorbitante – 3 euros ida e volta. Recordem-se os saudosos tempos do Isabel Maria, do Santa Natália (vulgo Cantiguinhas) e posteriormente do Ria Formosa, para só falar dos mais antigos.
Entre alegres mergulhos e cervejolas, encontrei no Zé Maria o meu primo João que, como é seu hábito hospitaleiro, amavelmente me convidou para umas flutezinhas do branco fresquinho. Devido ao encasquilhamento da garrafa com aqueles sacos que conservam o frio, estou em crer que sim, mas não posso assegurar, que se trataria do Prova Régia, não o recente 2009 de Bucelas da casta Arinto, da Companhia das Quintas, lançado no mercado em Junho deste ano, mas um outro que o amigo Caló identificaria como próximo do seu refrescante Barbadilho. Enfim, muito agradáveis, tanto o vinho como a companhia.
Apesar disso, eram quatro e um quarto, tive que enrolar a trouxa e meter pernas ao caminho para apanhar o “gasolina”.
Debaixo de um calor ainda abrasador, ia eu andando pela passadeira marginal entre a casa dos Batistas da Citroen e a antigamente chamada ponte do meio, em frente das instalações balneares do Refúgio Aboim Ascenção, quando me apercebo pelo canto do olho que de diversas viaturas me faziam sinais eivados de alguma cumplicidade. Ora se não estava nas traseiras do Hotel EVA, o sol ainda ia alto e o meu trajo era discreto, tanto quanto podem ser discretos um calção, um pólo e umas sandálias, interroguei-me, o que é que leva esta gente a fazer-me estes sinalefes? Vieram-me à memória as notícias frequentes do Correio da Manhã, do 24 Horas (paz à sua alma) e de outros, sobre homossexualidade, pedofilia, proxenetismo, e onde tudo se interpenetra, culminando, quiçá, nos homicídios mais sórdidos e hediondos. Resolvi encarar a situação com frontalidade. Que vejo? Na viatura do meio, um Volvo antigo derreado na traseira ao peso das geleiras, dos garrafões do briol e das sandochas, eis enfim, uma família. Os putos guinchavam que nem saguins. Atrás, num carro incaracterístico, um casal de idosos, ele congestionado à beira do colapso, a velhota abanando com um leque, desesperadamente, o calor do sol e da menopausa. À frente, num Corsa comercial, dois namorados, o marmanjo ansioso para na praia lhe mostrar o caparro, ela insultando-o, desde o comportamento dos progenitores até à configuração da testa, pela figura foleira que a fazia passar. Descansadamente, concluindo ser gente de bem, que ao verem qualquer coisa que mexesse, com um saco na mão, presumiam tratar-se de uma potencial vaga de estacionamento, afastei os meus fantasmas e prossegui em paz comigo e com o mundo.
Contudo, não pôde de deixar de recordar o que há poucos dias me dizia um amigo – “Ainda somos do tempo em que fumar ficava bem, ser paneleiro caía mal”.

Jorge Leiria

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Dos Alqueives, com amizade


Depois de um ano sem ter colocado os pés na Quinta dos Alqueives - Porches - fomos encontrá-la num estado desolador: cave inundada pela imensa chuva caída durante este Inverno, mato enorme à volta da casa, o tanque/piscina com as águas paradas de dois anos a abrigar a inevitável diversidade biológica (sapos, salamandras, etc.). Tem sido pois uma semana de intenso e imenso trabalho a limpar interior e exterior da casa. Isto é que tem sido esfregar, capinar, carregar "toneladas" de lixo, tudo isto sob um calor abrasador. Mas tem valido a pena, pois a recompensa surgiu passados 5 dias a dar no duro: o tanque já é piscina, o "barbecue" já trabalha e o alpendre está funcional. Ainda há sinais de um certo caos, mas com este meu triângulo vital recuperado os dias já são outros. O triângulo, já se vê, é constituído pelo alpendre, o grelhador e o tanque, distanciados entre eles por meia dúzia de passos.
Tudo isto vem a propósita da desventura gastronómica do meu amigo Jorge, nas suas miniférias nórdicas. Para lhe fazer inveja, tenho então a comunicar-lhe que no alpendre já se concentraram os aromas da incontornável caldeirada, regada com um branco algarvio que vivamente aconselho no combate à canícula. Trata-se do João Clara (adquiri-o no Jumbo de Lagoa por cerca de 4 euros). Um branco muito leve mas bastante aromático, na linha do su hermano Barbadillo.Também já estalaram sobre as brasas umas saborosas sardinhas de Portimão, embora não tenham estado à altura da sua tradição. Também elas acompanhadas pelo meu novo amigo, o tal João Clara.Ontem, com as condições de habitabilidade já substancialmente melhoradas, resolvi adquirir uns percebes de Vila do Bispo, cuja cozedura iniciei por volta das 20h, após uns valentes mergulhos no tanque, já praticamente cheio pela água do furo que para lá corre há 3 ou 4 dias (e se aquilo mete água, são quase 20 metros de comprido por 12 de largo!).
A acompanhar, o quê melhor que um espumante bem geladinho? A escolha recaiu num dos que melhor nos satisfizera numa quartafeira de glória, aqui atrasado, como diz o Augusto.O Côto de Mamoelas. As satisfação repetiu-se duplamente: elas foram duas, as mamadas por mim e pelo meu cunhado Pálinho, também ele pinguço encartado.
Continuou a refeição uma barriga de atum no carvão, acompanhada por um divinal Esporão Tinto, reserva de 2006. Eram já 3 da manhã quando recolhemos aos aposentos, após longa cavaqueira à luz de uma Cutty Sark de 12 anos. O tunídeo trouxe-me à memória o grande dia que aqui tivemos no ano passado, eu e o Jorge e mais o Afonso e o John Leão. Se tudo correr normalmente, uma edição especial de Agosto da Tertúlia Amável terá aqui lugar. Até lá roam-se de inveja (NNHHEUM)!
Tertuliano Caló
Há uns anos esteve na moda falar mal do Algarve. A invasão de estrangeiros, a arribação de humildes paisanos, que conquistaram o direito a férias e os crimes ecológicos e urbanísticos foram argumentos que muitas vezes escutei, contrariado, a gente cheia de manias, que confundindo e copiando mal outras coisas, quis maldizer da minha paixão pela vossa terra. Eu cá sempre experimentei uma imensa sensação de felicidade ao pisar solo algarvio e a fabulosa linha de praias a perder de vista deixa-me fascinado há mais de 30 anos. Neste Verão de 2010 parece-me cada vez mais improvável que aí possa passar alguns dias. Os meus dois filhos que, entretanto, cresceram, estudam e cumprem o serviço militar noutras estações, manifestaram o profundo desejo de vir às ilhas matar saudades nesta precisa época do ano. E a mais do que apetecível participação na vossa tertúlia de Agosto, nos Alqueives, terá de ficar adiada, quem sabe se para os vossos moderados Invernos.
Um abraço,
JL

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Nunca digas desta Fanta não beberei! Nem deste hamburguer não comerei!


O calor na última semana de Julho no Algarve era escaldante! Eu e um grupo de pessoas amigas muito próximas, Vitor, Fátima, Manuela e as suas filhas Catarina e Joana, resolvemos ir refrescar-nos em temperaturas mais amenas. Local escolhido - Estocolmo (temperaturas máxima 21º Celsius, mínima 14º na mesma escala). Vôo Ryanair, low cost directo Faro - Estocolmo, como convém. A bordo, entalados entre cadeiras num voo de 4 horas, uma sandocha de pasta de frango com maionaise, em triangulos de pão bimbo, enriquecida com uma folha de alface, enganaria qualquer estômago, não este já empedernido de petiscos e copos de murraça. Duas cervejolas Carlsberg clarearam a garganta.
Chegámos então ao aeroporto de Skavsta e, após alguns desencontros para a obtenção de bilhetes, embarcámos no autocarro que, passados 1 hora e 20 minutos de viagem, nos deixou na proximidade do hotel.
Feito neste o check in e dada a hora tardía, procurámos que manducar. Restaurantes fechados ou a fechar. A mim, com horas mal bebidas e mal fumadas, arregalaram-se-me os olhos para uma rulote onde se vendiam cachorros e para o bar em frente, onde saltavam para a chapa canecas de 1/5 litro de cerveja. Estou safo, pensei eu na minha ingenuidade, antevendo o momento de me abesalgar com duas ou três! Qual quê! Eis senão quando alguém vislumbra uma casa de hamburguers! As miúdas adoraram a ideia e as mães acompanharam-nas. Procurei apoio e conforto no ombro amigo do Vítor. Liminarmente colocou-se à margem das minhas preversas intenções. Isolado e fragilizado capitulei, rendi-me.
Posto isto e derrotado por 5 a 1, avançámos para a hamburgaria. O Vitor, alegremente escolheu um hamburguer acompanhado por um copo de meio litro de Fanta laranja. Ainda recalcitrante e quizilento, para contrariar optei pelo mesmo menú, mas com Fanta tutti-fruti.
A figura caricata que fizemos captada por uma câmara papparazzi, que peço não divulguem,é qualquer coisa como a de dois Simãozinhos a grunhir "mac mac mac, mac mac mac"!



O presente post foi por mim alterado e reeditado por razões que se invocam em comentário.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

O meu amigo Pakey

Quem escreveu "Jaz morto e arrefece" era muito maior do que nós, é figura de culto, de conferências, de palestras, de teses de mestrado e de doutoramento e outras 'academices'. Que me perdoe o atrevimento quem quiser reclamar, mas vou surripiar-lhe a expressão e a inspiração para referir-me ao meu amigo Pakey, ontem falecido, antes que ele arrefeça e eu perca o fio à meada compridíssima das boas recordações que alistarei enquanto a memória me permitir.
De uma maneira geral todos temos dificuldade em falar da morte, quer porque se trata de uma situação na maior parte dos casos dolorosa, quer porque há milénios coloca-nos uma série de interrogações. Quando a morte ocorre nas nossas famílias ou no nosso círculo de amigos, e temos de frequentá-la contra todas as resistências, vivemo-la com a maior das frugalidades e tratamos de despachá-la rapidamente. Mas, por enquanto, ainda me lembro de como o Pakey ficou desfigurado pelo cancro e sugeria, nos seus últimos dias de vida, a imagem que temos dos judeus encanzelados dos campos de concentração ou, numa versão mais ternurenta, os simpáticos extra-terrestres de olhos esbugalhados dos "Encontros Imediatos do Terceiro Grau", de Steven Spielberg. Apesar de fisicamente depauperado, sulcou até ao fim a sua finíssima onda de humor, que se erguia quando menos se esperava. Teve sempre na ponta da língua a palavra adequada a cada situação, como se costuma dizer, e por isso as suas tiradas de humor eram disparadas com a velocidade de uma bala, quase sempre inofensivas porque não se lhe conheciam más intenções. Poucos minutos antes de nos deixar e na presença de um relativamente numeroso grupo de amigos, quando a filha, sentada num banquinho ao lado da cama onde jazia, virou-lhe as costas para sussurrar a uma amiga que fosse à cozinha preparar um café para o médico que denodada e amavelmente acompanhou-nos noite e madrugada dentro, disparou o seguinte e muito irónico chiste: "Eh lá, meninas, o que vem a ser isto?! Não se dizem segredos diante dos doentes!" Teria decerto pensado no facto de, contra todas as evidências, ter-lhe sido sempre omitido o nome da doença e a gravidade do que padecia e de, nas últimas horas, as pessoas em seu redor, uma vez ou outra, após observarem se ele estava ou não atento ao que se passava, dado ao seu estado de prostração e de aparente semi-vigilância, fazerem sinais e murmurarem coisas em direcção à porta do quarto do qual, pé-ante-pé, se aproximavam os amigos que montaram guarda na última noite e se queriam inteirar de como evoluíam as coisas. Porque naquele momento estivesse muita gente no quarto, foi um instante de hilaridade geral e o ambiente ficou aliviado.
Não conheci ninguém que zombasse tanto da morte como o Pakey. Numa ilha em que quase todos se conhecem, os enterros são muito concorridos e inúmeras vezes encontrei-o nas marchas vagarosas a caminho do cemitério, sendo ele a minha companhia predilecta, pois esconjurava melhor do que ninguém os fantasmas que povoam aqueles ambientes e cumpria com maestria uma curiosa tradição dos ilhéus: "Trá terra de môrte", uma expressão crioula que, traduzida à letra, quer dizer "tirar a terra da morte"... é que depois das pazadas com que se entopem as sepulturas, o pessoal iniciado dirige-se aos botequins de sua afeição para beber uns cálices de grogue - aguardente de cana de açúcar -, a fim de lavar as goelas ressequidas pela terra dos covados. Há cerca de um ano, combinámos que eu passaria pelo seu escritório para juntos acompanharmos, no meu carro, o funeral do dr. Adriano, uma pessoa ilustre cá da ilha. Como estava cheio de trabalho nesse dia, pediu-me que fosse buscá-lo depois da missa de corpo presente, mas advertiu-me que não chegasse atrasado. Não era que o finado desmerecesse, mas o padre levou mais de hora e meia a pôr sobrescritos nas cartas de recomendação, de maneira que quando , finalmente, passei à porta do Pakey, estava ele farto de esperar e disse-me afogueado: " Caramba! Pensei que o dr. Adriano tivesse ressuscitado e já não houvesse funeral!"

De modo que já se previa que o velório do Pakey, além de muito participado, desse lugar a episódios lúdicos. E foi tanto assim que alguém contou que o Pomba, músico e rapaz muito rodado nessas andanças, fora chamado para tocar na banda que ia acompanhar o enterro do pai de um grande amigo. Conhecedor das ruas por onde seguiria o cortejo, o Pomba, que intercala grandes estiagens com períodos de rega incontinente, esgueirou-se para o bar de Nha Dadó, na Rua do Côco, onde aguardaria que o féretro passasse, enquanto beberia dois ou três cálices, após o que voltaria a juntar-se à banda. A Rua do Côco é contígua ao largo da Igreja Matriz, onde se rezam quase todas as missas do género, e é por ela que passa a maioria dos funerais. O que o Pomba não podia adivinhar é que a família do extinto decidisse à ultima hora que, em vez de seguir pela Rua do Côco, o séquito percorresse a Rua da Luz, uma via paralela, onde se situava o escritório do falecido, para mais um gesto de homenagem. Entretido e embalado à mesa do botequim, entre uns tragos de grogue e o dedilhar do violão, deixou-se estar até ver, subitamente, entrar bar adentro os companheiros da banda, que traziam os sapatos cheios de terra. Eis, então, que o Pomba despertou e perguntou: "J'ás rancá?", que em português significa "Já largaram, já partiram? - para o cemitério, deve presumir-se -, ao que os outros responderam: "Já nô vrá! Nô bem trá terra! (Estamos de volta, vimos 'tirar a terra'!)".

JL